"Todos nós somos Indígenas para algum lugar" - Adolescente fala sobre reconexão Cultural

Por: Xiuhtezcatl Roske-Martinez

 "Devemos reencontrar nossas raízes indígenas, porque não importa de onde somos, ou quem somos:  todos nós somos indígenas para algum lugar."

Um ancião indígena brasileiro e Xiuhtezcatl Roske-Martinez, à direita,
tocando juntos durante sua visita ao Brasil.
 Um aspecto incrivelmente importante da vida que muitas pessoas têm negligenciado e até mesmo esquecido é a nossa conexão com a Terra. Esta perda de respeito e senso de unidade com a Terra e de uns com os outros está colocando em risco o nosso futuro. Estamos destruindo, literalmente, nossos próprios sistemas de apoio à vida pelos nossos estilos de vida altamente consumistas, oferecendo suporte às indústrias corporativas e abastecendo nossas crises climáticas e ambientais.

Ao longo da história, os povos indígenas do mundo têm mantido profundos respeito e conexão com a Terra, mas esta ligação foi sumindo ao longo do tempo por causa de mudanças em nossas estruturas sociais e a severa opressão dos povos nativos. Costumávamos nos ver como uma parte deste mundo natural, uma mera peça do quebra-cabeça neste grande planeta, conectado à teia da vida. Nós não conquistávamos a Terra, mas vivíamos em equilíbrio com ela, retribuindo com cerimônias, orações e sendo guardiões de nossas terras sagradas.
Falando como um descendente do povo Asteca, do México, e tendo sido criado em nossos caminhos cerimoniais, tive a incrível oportunidade de conectar-me profundamente com a natureza e viajar para diferentes partes do mundo através de meu trabalho, encontrando-me com líderes indígenas. Eles compartilham histórias de como estão lutando para manter suas culturas vivas, transmitindo seu conhecimento e sabedoria para a próxima geração, para que sua cultura e seu patrimônio não desapareçam como tantos outros desapareceram.

Em nosso mundo de hoje, as mensagens dos anciãos muitas vezes caem em ouvidos surdos, porque o nosso sistema social mudou e os jovens não são incentivados a desenvolver uma relação com a Terra. Em vez disso, os jovens estão gastando horas com dispositivos eletrônicos, consumo de drogas e álcool e afastando-se mais e mais de suas culturas.

"O consumismo, em geral, é devastador para a nossa cultura. Vai diretamente contra nossos ensinamentos tradicionais de não ter mais do que aquilo de que precisamos", disse Gracy Horne, uma das organizadoras da corrida do Dia Mundial de Paz e Preces, e filha de Arvol Looking Horse, porta-voz e líder indígena. "Ninguém nos ouvia quando éramos jovens. Ninguém nos perguntava como nos sentíamos a respeito do mundo. Comecei a organizar corridas da paz quando eu tinha 20 anos, e as pessoas ainda não entendiam por que você iria sacrificar-se pela Terra. Agora, eu estou vendo mais adolescentes do ensino médio que estão se tornando ativos em sua comunidade e sabendo sobre os efeitos do fracking e sobre ambientalismo e estão agindo".

Estamos vivendo em uma época de crise cultural onde o tecido de cada cultura indígena está à beira do desaparecimento da Terra para sempre. Nosso mundo moderno e os sistemas de crenças que operam, têm consumido, literalmente, nossa conexão com o outro e com a Terra. Os povos indígenas de todo o mundo ainda estão sendo roubados e lesados em suas terras, suas línguas, suas culturas e suas vidas.

"Há uma palavra indígena, 'Tekoá', que é usada para 'aldeia' ou 'território'. Mas uma tradução melhor é 'modo de ser', disse Levi Moises, 31, um jovem líder do Guardiões da Terra - Earth Guardians (Earth Guardians) no Brasil. "Para os povos indígenas aqui, a conexão com o lugar onde vivem é, em si, uma grande conquista. Mas a sociedade moderna não aceita isso, e sempre exige que o espaço seja mercantilizado, domesticado, ou alterado ao máximo. Em suma, continuamos saqueados. Territórios e recursos são roubados pelo Estado e vendidos para empresários".

Roske-Martinez com Kerrianne Cox, Xavier Rudd, Luka Lesson
 em um painel no Festival Uplift na Austrália.
Em minha viagem para a Austrália, em dezembro de 2013, me conectei com o povo Aborígene, que foram os nativos da Austrália há milhares de anos. Eu aprendi que sua cultura rica e única, linguagem e tradição, tiveram uma parada bruta em 1788, quando os ingleses invadiram a Austrália. Desde então, centenas de milhares deles foram massacrados, para abrir espaço para os colonos brancos e terras agrícolas. Metade da população Aborígene foi morta por causa de doenças trazidas pelos colonizadores. Em Nova Gales do Sul, mais de 8.000 crianças Aborígene foram retiradas de suas famílias e levadas para instituições e famílias de acolhimento, onde foram abusadas ​​e muitas vezes usadas ​​como escravas. Ficaram conhecidas como a Geração Roubada, e perderam uma conexão profunda consigo e com sua herança.


Muitas crianças que eram mestiças (“half-caste”) foram retiradas de suas casas com a crença de que a sua pele morena pudesse ser eliminada por meio de relações com os invasores brancos. Essa opressão ainda perdura nas gerações que nascem hoje.

Kerrianne Cox é uma conhecida artista Aborígene e líder no movimento ascendente dos povos nativos da Terra.
"Muitos jovens indígenas nascem em famílias violentas e fragmentadas. Eles não têm a oportunidade ou a voz para restaurar sua cultura milenar. Eu fiz uma escolha de não viver assim. Permiti que minhas músicas fossem meu curador, e vi como minha mensagem poderia tocar outras pessoas. A opressão de nosso povo chegou a um ponto crítico em que atingimos o fundo do poço, o único caminho possível, daqui, é para cima", disse ela.

 "Eu realmente sinto que há uma bela abertura acontecendo com a cura e restauração de nossa cultura antiga. Eu estou vendo isso em toda a nossa terra. O país está acordando. Pode ser que estávamos perdidos, pode ser que estávamos dormindo, mas estamos unidos, e eles não podem nos separar", disse Cox.

Até nos darmos conta de que somos um povo, que estamos todos conectados e que todos nós dependemos uns dos outros e da Terra para a sobrevivência da humanidade, vamos continuar por este caminho de separação e desconexão. Devemos reencontrar nossas raízes indígenas, porque não importa de onde somos ou quem somos: todos nós somos indígenas para algum lugar. E, apesar da injustiça e da opressão, os povos nativos estão reivindicando seus direitos e tomando de volta sua terra e sua honra. Eles estão defendendo seus lares sagrados e lutando por justiça e igualdade. O movimento está sendo construído. E muitos povos indígenas não mais ficarão de braços cruzados.

Um despertar está em ascensão!

[Publicado, originalmente, em Indian Country Today Media Network (ICTMN), em 26/02/2014].

‘We are All Indigenous to Somewhere’: Teen Talks About Cultural Reconnection


By: Xiuhtezcatl Roske-Martine (2/26/2014)

An incredibly important aspect of life that many people have neglected and even forgotten is our connection with the Earth. This loss of respect and sense of oneness with the Earth and each other is endangering our future. We are literally destroying our own life support systems by our over consumptive lifestyles that are supporting the corporate industries and fueling our climate and environmental crises.

Throughout history, the indigenous people of the world have carried a deep respect and connection for the Earth, but this connection has disappeared over time because of our changing social structures and severe oppression of the Native peoples. We used to see ourselves as a part of this natural world, a mere piece of the puzzle on this great planet, connected to the web of life. We did not conquer the Earth, but lived in balance with it, and gave back to it with ceremonies, prayers and by being guardians of our sacred lands.

Speaking as a descendant of the Aztec Mexican people of Mexico and being raised in our ceremonial ways, I have had the incredible opportunity to connect deeply with the nature and to travel to different parts of the world through my work meeting with indigenous leaders. They share stories of how they are fighting to keep their cultures alive, and pass their knowledge and wisdom to the next generation, so that their culture and their heritage will not fade away as so many others have.

In our world today, the elders’ messages often fall on deaf ears because our social system has changed and youth are not encouraged to develop a relationship with the Earth. Instead, the youth are spending hours on electronic devices, consuming drugs and alcohol and taking them further and further away from their cultures.

“Consumption in general is devastating to our culture. It is directly going against our traditional teachings of not having more than what we need,” said Gracy Horne, an organizer of the World Peace and Prayer Day runs, and daughter of Arvol Looking Horse, Indigenous spokesperson and leader. “Nobody listened to us when we were young. No one asked us how we felt about the world. I started organizing peace runs when I was 20, and people still didn’t understand why you would sacrifice for the Earth. Now, I am seeing more high school kids that are becoming active in their community and know about the effects of Fracking and know about environmentalism and are taking action.”

We are living in an age of cultural crisis where the fabric of every indigenous culture is on the brink of disappearance from the Earth forever. Our modern world and the belief systems that operate it have literally consumed our connection with each other and the Earth. Indigenous people all over the world are still being robbed and bought off of their lands, their languages, their cultures and their lives.

“There's an Indian word, ‘Tekoa,’ which is used for ‘village’ or ‘territory.’ But a better translation is ‘way of being,’” said Levi Moises, 25, a youth leader for the Earth Guardian’s in Brazil.  “For indigenous people here, the connection to the place where they live is in itself a major achievement. But modern society does not accept this, and always requires that the space be commodified, tamed, or changed to the fullest. In short, we remain pillaged. Our territory (and resources) are stolen by the state and sold to entrepreneurs.”

Roske-Martinez with Kerrianne Cox, Xavier Rudd, Luka Lesson on a panel at the Uplift Festival in Australia
In my journey to Australia in December 2013, I connected with the Aboriginal peoples, who have been natives of Australia for thousands of years. I learned that their rich and unique culture, language, and tradition came to an abrupt halt in 1788 when the British invaded Australia. Since then, hundreds of thousands were massacred to make room for the white settlers and agricultural land. Half of the Aborigine population was killed because of diseases brought by the settlers. In New South Wales, more than 8,000 Aboriginal children were taken from their families and brought to institutions and foster families where they were abused and often used as slaves. They were known as the Stolen Generation, and lost a deep connection to themselves and their heritage.

Many children that were “half castes” were taken from their homes with the belief that their brown skin could be bred out of them through relations with the white people that invaded them. That oppression still lingers in the generations that are born today.

Kerrianne Cox is a well-known Aboriginal artist and leader in the rising movement of the Native peoples of the Earth.

“Many Aboriginal youth are born into violent, fragmented families. They are not given the opportunity or the voice to restore their ancient culture. I made a choice not to live like that. I allowed my songs to be my healer, and saw how my message could touch other people. Oppression of our people has come to a critical point where we have hit rock-bottom; the only way from here is up,” she said.

“I really feel that there is a beautiful opening that is happening with the healing and restoration of our old culture. I’m seeing it across our land. The country is waking up. We might have been lost, we may have been asleep, but we are united, and they cannot break us,” said Cox.

Until we realize that we are one people, we are all connected, and we all depend on each other and the Earth for the survival of humanity, we will continue down this path of separation and disconnect. We must reconnect with our indigenous roots because no matter where we are from, or who we are, we are ALL indigenous to somewhere. And despite the injustice and oppression, the Native people are claiming their rights and taking back their land and their honor. They are defending their sacred homes, and fighting for justice and equality. The movement is building and many indigenous people will no longer stand idly by.
An awakening is on the rise!

Font:  http://indiancountrytodaymedianetwork.com/2014/02/26/we-are-all-indigenous-somewhere-teen-talks-about-cultural-reconnection-153746?page=0%2C0


Atlachinolli e a Corrida pela Terra


"Eles carregavam as preces para a água e a mensagem sobre a necessidade de proteger as águas do mundo, para o Fórum Mundial da Água e para as pessoas. 
Meu avô fez uma promessa para o povo Hopi: levar o fogo sagrado do coração da Cidade do México, correndo todo o caminho de volta à terra Hopi. A União da Água e o Fogo em nossa tradição (asteca) é a “Atlachinolli”, que representa a Vida Nova. (...)"


Confira o texto e o vídeo da Corrida pela Terra - um evento realizado há 7 anos atrás, como o cumprimento de uma antiga profecia do povo indígena Hopi, em união com povos indígenas do México.
A união dos povos do sul e do norte, assim como a união entre a Água e o Fogo, são sinais de unidade e comunhão.
A mensagem continua viva. O Caminho permanece aberto - para os amigos e guardiões da Mãe Terra!
O texto é de Xiuhtezcatl Martinez, que na época tinha 6 anos de idade (você pode vê-lo correndo no vídeo, junto com seu pai e seu irmão).
Tradução: Guardiões da Terra - Earth Guardians Brazil.

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Nosso amigo Jacob, do Coletivo Cultural, documentou esta viagem incrível, da qual tive a honra de participar, quando eu tinha seis anos. Foi o cumprimento de uma profecia de 500 anos de idade dos corredores Asteca e Hopi, refazendo suas antigas rotas de migração. 
Os Hopis reuniram água de todo o mundo e saíram correndo de Hopi (Arizona, EUA) para a Cidade do México (DF, México), onde foram recebidos em cerimônia por meu avô Xolotl e as tribos Mexica. 
Eles carregavam as preces para a água e a mensagem sobre a necessidade de proteger as águas do mundo, para o Fórum Mundial da Água e para as pessoas. 

Meu avô fez uma promessa para o povo Hopi: levar o fogo sagrado do coração da Cidade do México, correndo todo o caminho de volta à terra Hopi. A União da Água e o Fogo em nossa tradição (asteca) é a “Atlachinolli”, que representa a Vida Nova. Eu tinha apenas 6 anos e meu irmão tinha 3, quando meu pai organizou esta corrida do coração do México à terra dos Hopi, com meu avô e muitos outros que ajudaram. Lembro-me do dia em que saímos de casa para nos juntarmos aos corredores. 
Lembro-me de correr com indígenas de muitas tribos, levando o fogo e, às vezes, a água, através de belas terras. Lembro-me das orações, as cerimônias e as danças que fizemos nas comunidades em que fomos recebidos, conforme passávamos por elas.


O que mais lembro é quando chegamos em Hopi, correndo com os elementos sagrados. Fomos recebidos pelas pessoas que esperavam nos planaltos nos observando, enquanto corríamos os velhos caminhos sagrados que os Hopi usavam nos velhos tempos. Eles abriram o seu local sagrado para nós compartilharmos nossas danças tradicionais e em troca eles compartilharam as deles conosco! Foi incrível. 
Eu dancei ao lado de meu pai, até que caí com insolação. Eu comecei a falar (publicamente) depois que voltamos para casa, desta corrida para proteger a Terra, a Água e o Ar.
Neste vídeo, você pode ver fotos de mim e meu irmãozinho e todas as pessoas correndo. Você pode ouvir minha tia rezando, ela carregava objetos sagrados correndo e estava grávida de 8 meses. Minha mãe dirigiu uma das vans que transportavam suprimentos e também correu - e estava grávida de 8 meses, de minha irmã mais nova. Meu pai está traduzindo as orações de minha tia, em uma bela cerimônia que fizemos quando chegamos em terra  Zuni.
Eu estive em muitas Corridas Sagradas desde então, mas acho que esta viagem foi a experiência mais incrível que já tive! Obrigado ao Criador por abençoar minha vida com tantas experiências incríveis. E obrigado a Jacob e ao Coletivo Cultural (Culture Collective), por documentar esta incrível jornada!

Confira o vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=wyUByGVOjMQ






(Publicado originalmente, em inglês, em:  Earth Guardians)